quarta-feira, abril 04, 2007
Em meados dos anos 60 do século passado, o então prefeito do Recife, Augusto Lucena, colocou por terra a Igreja dos Martírios, uma belíssima construção do século XVII, localizada na rua do mesmo nome, no bairro de São José. Não satisfeito, destruiu também parte da Rua Augusta e de outras artérias em seu entorno, apenas para abrir a Avenida Dantas Barreto, que no dizer maldoso dos recifenses foi feita para “unir nada a coisa nenhuma”. Houve, com justificada razão, um clamor dos pernambucanos pela insensatez do gesto, posto que, para o então prefeito, um monumento histórico de tal magnitude representava muito pouco diante do projeto urbanístico que pretendia executar.
Hoje, em relação ao mesmo bairro de São José, “de ruas de casas juntas, cariadas, mas de pé”, como cantou Carlos Pena, há por parte dos recifenses um sentimento inverso: ninguém entende nem aceita a ação demandada pelo Ministério Público Federal, embargando a construção de duas torres quase gêmeas no local onde existiu antes a Mesbla Náutica, um passo importante para resgatar do mais cruel abandono um dos logradouros profundamente negligenciados de nossa capital.
A história dessa insensatez começou em fevereiro de 2005, quando o Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública contra a empresa incorporadora (Moura Dubeux), contra o município do Recife e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. O MPF questionava a aprovação, pela prefeitura, do projeto de construção das duas torres, com a pueril alegação de que o imóvel atentaria contra o patrimônio histórico nacional, por supostamente retirar a visibilidade de imóveis tombados nas proximidades. E fundamentava sua ação num decreto de 30 de novembro de 1937, com uma interpretação à sua conveniência, segundo a qual o houve omissão do IPHAN, por não ter garantido a visibilidade desses mesmos imóveis. Na ação, o MPF argumenta que “o estilo das construções do empreendimento, previsto para o Cais de Santa Rita e que foi aprovado pelo município do Recife, é completamente destoante da paisagem adjacente, pois são de estilo arquitetônico diverso e sem harmonia com o conjunto dos bairros de São José, Santo Antônio e Bairro do Recife”. Pergunta-se: os prédios do Banco do Brasil, do antigo Bandepe, da Justiça Federal, todos no bairro do Recife, para citar-se apenas estes, estão “compatíveis com a harmonia do conjunto”? Vê-se, daí, que o autor da ação não teve lá tanta preocupação com a visibilidade ou não de outros imóveis, pois sua discordância é para com o padrão estético dos edifícios a serem construídos.
Deve ser dito que na sua luta jurídica para retomada da obra ( se retomada, quem vai pagar, posteriormente, os prejuízos causados à construtura pelo tempo parado, pelo desgaste do material ali colocado, pela inadimplência dos compradores que, inseguros, suspenderam os pagamentos mensais?), a Moura Dubeux conseguiu que o Tribunal Regional Federal da 5ª Região suspendesse liminar que embargava a construção, com um despacho da desembargadora Margarida Cantarelli, defendendo que “não seremos nós, do Judiciário, que deveremos dizer onde e quando deve ser construída esta ou aquela edificação, senão em virtude de clara disposição legal, sob pena de se estar a ferir a ordem constitucional vigente, com a invasão de um Poder da República pelo outro”. O MPF, no entanto, apelou para o STF – paralisando novamente a construção.
A criação do Ministério Público, pela última Carta Constitucional, foi, ninguém duvida, uma conquista da sociedade. São valiosas algumas das intervenções feitas pela instituição, em defesa da cidadania. Daí a estranheza com que a sociedade vê tal e tamanho empenho em barrar uma iniciativa que só ajuda no resgate de um bairro abandonado, que acena para a recuperação de uma área povoada por mendigos, trombadinhas, assaltantes, que agridem até mesmo o nosso fórum de civilização. Estes, sim, deveriam estar nas demandas e preocupações do MPF.
Ivanildo Sampaio, jornalista, é diretor de Redação do Jornal do Commercio e pai de K2. :)
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